quinta-feira, 28 de abril de 2011

Relatório do Processo Criativo

Solo “Efeito Colateral” – Charlene Sadd

Começo por dizer que o discurso aqui construído segue uma linha de trabalho onde o corpo é colocado não somente como criador, mas objeto-sujeito a ser questionado. Um eixo temático liga este solo ao solo anterior também por mim produzido que é Rótulo – As impressões do corpo (http://performercharlenesadd.blogspot.com/p/registro-geral.html ).
Me interessa a investigação sobre o discurso da  estética feminina, e não o  vejo  como esgaçado apesar de tantas frentes de discursões em diversas áreas do saber. Creio que continuando uma linha de pesquisa sobre o corpo feminino somo forças para que os questionamentos criem corpos, saindo assim somente do campo das ideias, virando ações possíveis.
Quando nos reunimos nos primeiros encontros durante a escrita do projeto, e paramos para ver o que cada uma das interpretes gostaria de produzir, logo pensei queria continuar com a investigação, mas por que viés já quem em Rótulo tomo como partida o corpo feminino, a questão de distúrbio alimentar e a construção da imagem? Como seria continuar isso em Desnuda?  A primeira coisa que detectei foi que muitas das pesquisas em Rótulo não foram desenvolvidas ao ponto de chegar para cena; Então esse era o primeiro passo, selecionar os materiais que possivelmente alimentaria a cena de Desnuda.
Com esse seleção de matérias pude delimitar o meu universo “Corpo feminino” na questão entre uma mulher do passado, conquistadora de direitos e uma mulher imageticamente falando massificada.
Um dos primeiros elementos a se mostrar potencialmente cênico e que vale ressaltar foi construído em Rótulo, mas não obteve espaço no mesmo, foi a “almofada praieira”; É uma almofada vestida com um mini biquíni e na qual eu descarrego toda a minha impotência de não poder ir a praia por questões da não aceitação da imagem. Nela eu prático uma ação de vodu, furando-a com agulhas ao som de marimba metálica.  Tal ação se baseou somente a partir de uma questão pessoal, mas por perceber que não era algo que se limitava a uma mulher especificamente. Li no livro Mulheres sob todas as luzes - A emancipação e os últimos dias do patriarcado, que segundo uma pesquisa realizada pela multinacional Unilerver (Campanha Dove pela real beleza) ir a praia foi a primeira atividade que as mulheres escolheram em NÃO fazer por causa de sentimentos negativos em relação à aparência;

Foto de Renata Marques
Lendo outro livro agora de Simone de Beauvoir O segundo Sexo - 1. Fatos e Mitos - pude ver que as mulheres estiveram sempre subjugadas a poderes para além de suas vontades. Como ocorre no caso acima, mesmo tendo o desejo de ir a praia, mesmo assim mulheres se calam diante do que é socialmente desejado de ser ver: mulheres saradas, em dia com a balança, cor do pecado. Virando assim a praia uma vitrine; O que seria prazer passa a ser tormento. Já no livro O segundo sexo Simone relata outra situação em que a mulher se cala diante do que é culturalmente cultivado:
Em toda parte e em qualquer época, os homens exibiram a satisfação que tiveram de se sentirem os reis da criação. “Bendito seja Deus nosso Senhor e o Senhor de todos os mundos por não me ter feito mulher”, dizem os judeus nas suas preces matinais, enquanto suas esposas murmuram com resignação: “Bendito seja o Senhor que me criou segundo a sua vontade” (pg. 16).
 Tendo dois fatos separados pelo tempo, pela cultura, mas semelhantes nas consequências: a nulidade da força que a mulher poderia ter, mas que é sufocada , subjugada, abafada diante de poderes que nos escapam, e que não só provém hoje em dia de um olhar masculino, mas muitas vezes de olhares femininos machistas; E de outras esferas que ultrapassam a visão individual, poderes invisíveis.
         Muitas conquistas de direitos foram alcançadas, como o direito ao trabalho, ao voto, o uso do anticoncepcional; Atualmente a conquista por salários iguais. Mas diante de tanta conquista perdermos o direito a própria imagem. Saímos da condição de “Mulher Escrava” para “Mulher Objeto”, não deixando de ser escrava, não escrava de um homem especificamente, mas escrava de algo muito maior escrava do desejo alheio (coletivo), temos que dá conta de uma representação socialmente aceitável.
Em Efeito Colateral por meio das mãos e pés buscamos questionar essas imagens construídas, imagens estereotipadas entre a imagem de frágil e de objeto. Por meio da mão que condena, da mão que deforma, que castiga, para pés que buscam novos caminhos, que fincam raízes, que falam de mulheres possíveis.
Mulheres possíveis é o discurso de Efeito Colateral sem dúvida, por conta disso na própria sonoplastia e imagens busco falar de mulheres que são representativas a nível mundo, mas também de mulheres que me são próximas como minha mãe, minha avó, minha bisavó, minha tataravó, em fim, minha origem.
Para reconstruí a imagem de um novo feminismo, temos que partir do principio que precisamos viver essas mulheres possíveis, o meu corpo, o meu desejo, as minhas ideias, as minhas raízes. Reconstruir olhares e principalmente o nosso olhar de mulher, para que então a história possa se construída não por uma ótica alheia as nossas vivências. Efeito Colateral é vivenciando e contato por uma mulher, construindo o tal corpo que falo no começo desse texto; Ideias que ganham corpo e são propagadas pelo mesmo, um corpo feminino. 
Considerações sobre o nome
Era uma premissa do trabalho produzir 3 solos independentes, mas um nome para cada solo não foi algo cogitado, somente delimitamos o universo de pesquisa: O sagrado por Valéria Nunes, A sedução por Mary e Um novo feminismo por mim Charlene Sadd. Mas assim como elemento cênico almofada, o nome também foi algo pré-concebido, não para este trabalho, mas que tomou forma e identificando este solo em Desnuda.


Agradeço a todos que colaboraram com este processo, e ao governo do estado que possibilitou não somente este projeto está sendo realizado como também os dos demais artistas. Quero deixar aqui expressa a minha vontade de que este prêmio Alagoas em Cena seja um edital que aconteça todos os anos, caso não seja possível no sitema anual que aconteça então de dois em dois anos. O importante é que exista uma regularidade!
Vida longa à produção alagoana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário